sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

PERDEMOS UM DOS NOSSOS...


"Contemporâneo é aquele que mantém fixo seu olhar no seu tempo, para nele perceber não as luzes, mas o escuro. Todos os tempos são, para quem deles experimenta contemporaneidade, obscuros. Contemporâneo é justamente aquele que sabe ver essa obscuridade, que é capaz de escrever mergulhando a pena nas trevas do presente."Giorgio Agamben, filósofo italiano.E assim se vai Alexander McQueen. Deixando incrível legado. Rebeldia, contestação, inconformismo. Talento, técnica, transgressão. Encontrado morto em sua casa em Londres hoje pela manhã, o estilista inglês era um ícone, um dos artífices e tradutores do espírito de sua geração. Vai fazer falta. O mundo fica (ainda) mais careta. Perdemos um dos nossos.
Deprimido com a morte de sua adorada mãe, há algumas semanas, e talvez inspirado pelo próprio suicídio da mentora Isabela Blow, que o descobrira, McQueen seguiu este mesmo triste caminho.
Filho de um motorista de táxi, McQueen aprendeu seu ofício com os mestres alfaiates de Savile Row, daí seu extremo domínio de corte, acabamento e silhueta. Alfaitaria, punk, militarismo, natureza compõem o vocabulário único de seu estilo. Exímio criador de imagens, fez vestidos que logo alcançaram status de obras de arte, mostrados em apresentações que, temporada após temporada, sempre deixavam os fashionistas ansiosos, excitados e, quase sempre, em êxtase. Expect the unexpected. E o inesperado acontecia.
Tive a oportunidade de ver muitos de seus desfiles, alguns dos mais marcantes. Não cheguei a conhecê-lo, mas o entrevistei, por fax (!), pré-Internet, no início dos anos 90, e tinha alguns amigos em comum. Todos torcíamos por cada vitória e por cada volta por cima em sua vida piscinianamente passional, cheia de extremos, um fênix.
E foi ele quem primeiro saiu em defesa de sua amiga Kate Moss, com a famosa t-shirt=manifesto We Love You Kate. E quem a transformou em holografia de sonho no inverno 2006... E quem se lembra do jogo de xadrez do verão 2005? Ou de Shalom Harlow sendo coberta por jatos de tinta que vinham de robôs, ou do histórico desfile da neve (verão 1999). E a homenagem a Hitchcock em 2005? E o circo do terror, em 2001, quando brinquedos do mal e um carrossel desenhavam o palco armado num galpão em East London (o primeiro McQueen a gente nunca esquece). Ou ainda: outro circo, o de bondage e fetiche do inverno 2009. Fora das passarelas, pense em Bjork, Nick Kight, e do ensaio histórico dos deficientes na "Dazed & Confused".
Teimoso, radical, iconoclasta, McQueen será lembrado para todo o sempre. Mas se me fosse perguntado qual o mais emocionante, eu diria que foi o verão 2004, inspirado em "A Noite dos Desesperados", feito em 1969 por Sidney Pollack. Com coreografia de Michael Clark (olhaí outro contemporâneo!), as modelos desfilam as roupas como os participantes da maratona de dança que o filme mostra.
Em McQueen o corpo é político, e em suas coleções havia camadas de mensagens, mais ou menos explícitas, para os insiders da moda, para seus críticos ou seus fãs. O "final bow" do estilista aconteceu ao som de Lady Gaga, na primeira vez que o mundo ouviu "Bad Romance". Depois, no clipe, a cantora vestiria as roupas do desfile, na imagem que vai marcar os tempos de hoje. Mais contemporâneo impossível. Como eu disse, um grande legado. Valeu, Lee McQueen.
Obrigada.
Erika PalominoPS: Desde o término do SPFW penso em escrever por aqui, mas nada me moveu. Hoje, não apenas quis escrever, mas precisei, pois me emocionei de verdade. Que os pensamentos das pessoas em todo o mundo se convertam em orações.




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